Alessandro Caldeira
O maior hábito que um antifutebolista possui é o de declarar o quanto uma partida de futebol é desagradável e, para isso, deixa guardado para si algumas frases, como: não entendo vinte e dois marmanjos de calções curtos correndo atrás de uma bola”, ou então quando querem demonstrar um certo engajamento político e se colocam a dizer a minha frase preferida: “o futebol é o maior instrumento de alienação”.
Como sou apaixonado por futebol, fiz alguns exercícios para deixar de ser alienado e comecei a imaginar o que as pessoas antifutebolistas enxergam no jogo; o resultado, porém, foi uma espécie de esquizofrenia, na qual me fez presenciar alguma coisa como uma dança sem música.
Além de ser ultrapassada a ideia de que o futebol é o “ópio do povo”, o argumento revela, também, como é fácil definir o jogo quando o isolamos da sociedade e não enxergamos, através dele, um efeito sintomático dos comportamentos do ser humano.
Quando separamos o jogo e a vida como uma tentativa de nos imunizarmos da alienação de massa esquecemos que, mais do que um campo deserto de conteúdo, é necessário entender que o futebol é uma área, como diz José Wisnik, onde se confronta o “vazio da vida”.
A procura pelo sentido é o principal motivo pelo futebol unir uma sociedade maior do que a religião é capaz, por exemplo. É a busca pela música (citada no começo deste texto) enquanto dançam.
Embora seja legítima a fúria de alguns indiferentes ao futebol que vivem sempre a anunciar a regressão que é esse esporte, podemos lembrar de algumas equipes como exemplo dessa busca de sentido: o Tottenham, que é visto equivocadamente como judeu, de forma pejorativa, por boa parte dos torcedores rivais na Europa acabou pegando para si esse título como forma de antídoto para o seu estigma.
O que seria uma tentativa de diminuir a sua imagem os torcedores trataram de reverter o caráter negativo da expressão para se orgulhar dela, ou seja, um time do norte da Inglaterra não só procurou, mas mais do que isso: inventou um sentido para a sua existência.
Outro clube também da Europa que podemos dar como exemplo é o St. Pauli, da Alemanha que, diferente do Tottenham que teve de mudar seu caráter para sentir orgulho da sua rejeição, a equipe alemã só passou a existir por causa dela.
Ainda no tempo onde os nazistas invadiam os estádios alemães, St.Pauli foi o primeiro Clube com o qual os refugiados e minorias podiam encontrar uma maneira de escapar do clima de hostilidade pelo país. Isso só é possível, no entanto, quando as coisas são feitas pelos próprios torcedores com algum sentimento de revanche.
Equipes brasileiras também fazem parte deste processo. É o caso, por exemplo, de clubes como o Palmeiras, que é chamado de porco devido à sua origem italiana -embora a alcunha tenha se intensificado por causa de um acidente ocorrido em 1969 envolvendo dois jogadores corintianos-, em contrapartida, apelidou o seu rival de “favelado” pelo seu espírito de luta; além do do Flamengo que nascera a partir de uma ruptura do Fluminense. A torcida tricolor carrega um sentimento de culpa por ter provocado o nascimento do seu mal maior e, desde então, os dois declaram guerras shakesperianas.
No entanto, é exatamente nisso que esses clubes encontram algo em comum: eles não existiriam sem o outro, muito menos o seu grupo social. É como se não houvesse outra alternativa a esse grupo que não fosse manifestar internamente a existência do outro.
Para o psiquiatra Viktor Frankl o sentido da vida não vem senão através do sofrimento e da dor; ao torcedor, porém, esse sentimento se inverte: primeiro eu sofri e agora me abstraio e dou um novo rumo para ele e, quase sempre, essa busca, procura ou invenção se dá quando olham para o seu rival para sussurrar aos ouvidos do outro, como se estivessem em um universo lúdico, mas que é uma condição humana bastante natural: “você me afirma ao me negar”.
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