Por:
Alessandro Caldeira
Nesses
últimos dias, ando tendo algumas epifanias que não compreendo de onde elas
surgem e se realmente estão acontecendo por causa de alguma coisa.
Porém,
em um desses encontros irremediáveis com o inesperado de nossos pensamentos, refleti
em como, nós, torcedores, somos escravos da beleza.
Deparamos
com uma felicidade compulsiva quando nos encontramos como nosso jogador
favorito, capaz de construir a beleza que tanto almejamos.
Tal
arrebatamento se torna tão significativo na vida de um torcedor que podemos nos
confundir com alguma obra de Thomas Mann ou uma música clássica de Mahler
É
um consenso que todo torcedor é um admirador incontestável da beleza de uma
jogada plástica. Coitado do Eduardo Galeano quando implorava por uma jogada que
resultasse em gol. Mas, só contemplamos o futebol quando nos colidimos com a
imponência da perfeição.
Ainda
que sejamos famintos pelo placar, pelo resultado da equipe, o quão maravilhoso
é ainda ver que o nosso jogador, o Adônis de todas as jogadas foi quem decidiu
o jogo.
Assim,
nosso orgulho predomina e ganhamos a sensação de que nosso time é dono de uma
beleza quase divina, capaz de destruir a todos os adversários, basta que a
referência da equipe coloque a bola nos pés e transforme a partida.
Passamos
a acolher um sentimento de refúgio. Deixamos para trás a família, o trabalho, e
o sexo só para termos um dia onde a presença do craque se faz necessária.
Nutrimos,
dessa maneira, um mundo particular do qual nada é desigual e não é mais preciso
lutar para viver.
O
craque é nosso stradvarius ditando o tom e o ritmo com seus pés. O
grande problema, no entanto, é que no futebol o tempo passa rápido e a
senilidade possui mais opacidade.
Os
jogadores parecem que envelhecem depressa e nos tornarmos mais ansiosos também.
E a união entre torcedor e jogador começa a ficar desgastada pelo tempo.
É
claro que há jogadores que se sentem bem com a velhice, mas há um adendo crucial:
apenas àquele que brigou com a sua juventude gosta de ficar velho.
A
velhice permite que usemos de nossa limitação sem correções, mas a juventude
possui uma maldade sedutora e escancara aonde somos defeituosos.
No
mais, “não há impureza mais impura quanto à velhice”. E o craque, o gênio,
sente com mais profundo pesar a falta de movimentos do seu corpo.
“Triste
perceber que o Kaká não dá mais as suas arrancadas como de costume”, se lamenta
alguém sentindo, também, a dor da repressão pela passagem de um ciclo.
Talvez,
no torcedor nota-se melhor o desespero porque o tempo é impetuoso para todos e
se comprime, machucando quem estiver na arquibancada.
É
angustiante saber que o nosso ponto de refúgio seja o responsável, também, por
nos fazer acompanhar a crueldade dos anos passando tão de perto.
Por
isso, vestimos nosso melhor traje para nos encontrarmos todos os dias com quem
nos foi, um dia, responsável por tanta beleza, mas que é incapaz de impedir as
ações do tempo através de sua habilidade, perícia e talento com a bola.
Percebemos,
igualmente, que nós mudamos. O estádio que, outrora, era palco dos maiores
truques mágicos beirando ao sobrenatural, parece se esvair junto com o craque.
As
arquibancadas parecem mais pesadas, por consequência, sentimos de maneira
absoluta o vazio do banco que nos foi destinado.
Quando,
finalmente, o tempo anuncia o fim, o torcedor ainda quer estabelecer uma
conexão, talvez uma última vaga proximidade com seu ídolo e fica até o último
momento no local onde exasperava o desfecho de uma era.
Contudo,
o admirador volta para a casa e tenta, dessa vez, entrar em contato com o único
lugar que o seu craque não se foi: sua memória.
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