Por: Alessandro Caldeira
Sendo assim, o que ocorreu foi que, enquanto os clubes da
Zona Sul carioca ainda estavam tentando disseminar um futebol elitizado, cheio
de ciências e gracejos, o Vasco ganhou cada vez mais admiração e fãs nas
extensões do Estado.
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as primeiras
páginas de O Negro no Futebol Brasileiro, Mário Filho inicia sua narrativa com
a seguinte ressalva: “Há quem pense que o futebol do passado é que era bom”.
Embora toda a
discussão em relação à veracidade dos relatos encontrados no livro seja válida,
não há como negar que muitos saudosistas acreditam que era melhor viver num
período escasso como a de 1947, por exemplo. Época em que o livro foi lançado.
Isso, porque,
quando o jornalista relatou essa anedota, não estava falando do puro saudosista
fetichista do passado a qual, se pudesse, criaria uma linha do tempo só para
ver os lendários craques brasileiros.
Mário Filho
mirava o fã de um futebol elitista onde a admiração se encontra na expressão
corporal de fino trato, nos trajes e no tom que rege a sua etnia, jamais na
beleza plástica das jogadas.
Dentre todas as
histórias representativas de tal cenário, há uma em que oferece a tônica
perfeita: a trajetória do Vasco da Gama de 1923, a equipe que ficou famosa pelo
apelido: Camisas Negras, devido ao seu uniforme preto.
Assim como Mário
Filho descreveu que “o branco aprendera futebol na academia (...), o preto
aprendera na rua, sem professor. A única coisa que o ajudava era a intuição”, a
equipe cruzmaltina daquela época (que já carregava a cruz no escudo como se
fosse um fardo de Yeshua) também fora construída com jogadores sem
escolaridade, mas letrados quando se tratava de bola nos pés.
“O rapaz de boa
família, o estudado, o branco, tinha de competir, em igualdade de condição com
o pé rapado”, no entanto, o que se viu, não foi igualdade. Não só pelo
preconceito que existira na época, tendo o Vasco como o único Clube a resistir
ao preconceito racial que predominava no futebol.
Mas, também, não
existia nem sombra que fizesse frente àquela equipe cheia de negros e mulatos.
A base formada por trabalhadores braçais somaria 11 vitórias em 14 jogos pela Liga Metropolitana de
Desportos Terrestres (LMDT) colocando em xeque toda a hegemonia dos clubes “brancos”:
Botafogo, Flamengo e Fluminense.
Vasco da Gama, 1923
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No entanto, as equipes das elites agiram como os típicos regimes autoritários que nunca acreditam que há algo maior do que a sua “ciência”, e passou a organizar outra competição, a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). Exigindo, porém, que o Clube excluísse 12 jogadores do seu elenco alegando que não apresentavam as “condições sociais apropriadas”.
Assim que soube da
resolução, a presidência cruzmaltina rechaçou a proposta da Liga e emitiu uma
carta da qual dizia no quinto parágrafo que “o ato público que pode maculá-los nunca será praticado com a solidariedade dos que
dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta
galhardia, cobriram de glórias”.
Não obstante, era necessário
a observação de que, os mitos e a história estão sempre do lado das “classes
não apropriadas”, dos marginais que não possuem filhos e, de algum modo, são
preferências entre os deuses, por isso, são ausentes de “herdeiros”.
Isso posto, é possível que a
instituição não teve noção, na época, do que o simples ato de resistir à
negação da sua tradição iria causar. Ou, então, soubessem pela sua virtuosa
intuição que haveria uma história a mais a ser escrita.
Sendo assim, o que ocorreu
foi que, enquanto os clubes da Zona Sul carioca ainda estavam tentando
disseminar um futebol elitizado, cheio de ciências e gracejos, o Vasco ganhou
cada vez mais admiração e fãs nas extensões do Estado.
A equipe foi campeã pela
segunda vez, todavia, de forma invicta, em 1924, do campeonato regido pela LMDT.
Vendo a ascensão do Clube, a
AMEA não teve outra alternativa, senão, autorizar a participação dos vascaínos
em sua Liga, pois, dessa forma, viram que poderiam lucrar com a popularidade
dos Camisas Negras e o cruzmaltino, até então com dificuldade financeira, também
pôde usufruir dos seus lucros.
É claro que podemos notar na
história de todas as épocas e até hoje, a crença de que o branco é superior ao
preto, com cenários como da Copa de 50 onde os jogadores negros foram culpados
pela derrota, sendo superado apenas com a vitória de outros negros: Pelé e
Garrincha, em 58.
Ou, então, os casos de
racismo que fazem jogadores deixarem os campos porque não teria outra forma de
ser notado, senão, com os sentimentos da revolta.
O negro como “expressão do
futebol brasileiro” ainda está longe de acontecer, porque ainda há a sensação
de que é preciso entrar em campo com a mais devotada e angustiosa intuição dizendo,
de maneira acalentadora, que o único gesto fora do campo será o da comemoração
de um gol.
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