O ponta brasileiro é tão imprevisível quanto um gato |
Por: Alessandro Caldeira
Antigamente, um atacante brasileiro era como um comerciante de padaria: poderíamos vê-lo todos os dias com a mesma familiaridade de outrora. Era só se deparar com um, que o avante cumprimentava como se fosse o nosso vizinho.
Eis a verdade: o atacante carregava uma vastidão na sua existência como um Walt Whitman dos campos. Imprevisível por natureza: às vezes era dia de ser garçom, outras era o finalizador, sentia-se feliz, também, se passasse o jogo inteiro driblando.
Por isso, era mais fácil identificar nossos atacantes através de seus apelidos eternos. Os comentários durante a partida sempre eram deslumbrantes, movido por um poderoso élan: esse está jogando de forma possessa, com certeza levará a bola para a casa. Ou, então: que graça de futebol! Esse está jogando como um divino. E esses nomes, inventados na arquibancada, eram patenteados na imprensa, nas ruas e nos campos.
Pois bem, mas hoje chamamos o jogador mais alegre por nomes extensos. Nada mais pavoroso para um atacante do que ter seu nome anunciado por completo. O nome por inteiro separa o jogador e a bola. Porém, o atacante caiu em desuso, e não usamos mais os apelidos das arquibancadas.
O que temos, agora, é ignóbil e inútil “pontinha”. Vocês já devem ter ouvido por aí. O termo, é claro, não foi inventado por este que escreve, mas, vejam bem: desde a sua invenção todos os clubes aderiram à alcunha e estão desfilando os seus “pontas” como se todo mundo vestisse 38.
Mas o que é um ponta? Explico: o jogo dos “pontas” equivalem a duas piscadas e um bocejo. Até mesmo o toque na bola vira um ASMR e me espanta, agora mesmo, que uma finalização desses atletas não sejam expressadas como “tapping”.
Desaparecera o atacante selvagem, que salvava um time, um clube, até mesmo um país, para erguer-se um jogador modesto e rotineiro. Ninguém mais espera nada do atacante, além de ser adestrado pelo treinador tupiniquim que tece fantasias eróticas com o “Winger”.
Porém, eu disse que o único termo é o “pontinha”, mas há algo pior: o jogador moderno. Agora mesmo, se você ligar a televisão, o comentarista esportivo estará promovendo a sua modernidade no SporTV, palestrando para a massa como se maneja um rebanho.
Mesmo quando alguém propõe-se a contrariar, o comentarista esportivo logo aproveita do seu Halo que rebenta semanalmente e exclui o argumento e o perfil. Mais tarde está sentado no programa denunciando a falta de humildade alheia.
Eis a verdade: para ser comentarista esportivo é preciso saudar o “ponta” e decretar a sua paixão pelo jogo moderno. Molière ficaria saturado a ponto de ter um mal súbito assistindo a todos os programas esportivos. Citei Molière e acresço: nossos comentaristas são Tartufos contemporâneos.
Mas, os especialistas, defendem que um jogador habilidoso deve ficar ao lado do campo, porque aproveita-se melhor os seus dribles. E o que nos entrega? Repito: o que nos entregar, afinal? Um jogador estático, pregado no canto como um boneco de biruta enquanto assiste aos outros fazendo o seu trabalho.
Amigos, eis o que eu queria dizer: o novo ponta brasileiro é um jogador senil, esperando a sua vez na fila da previdência. Como esqueceu de envelhecer, o colocam de castigo, virado para a área, detido no canto como um aluno primário. E assim o atacante está punido por ser historicamente audacioso.
Ainda vamos comprar ingressos, nos acomodar nas arquibancadas para assistir ao regresso do ser humano à beira do gramado; e o expert anunciará quantos quilômetros nosso jogador animalesco percorreu.
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