Por:
Alessandro Caldeira
Se
há uma dor em comum nos brasileiros é a falta de futebol. Cada um aparenta
carregar a nostalgia do outro em telas triunfantes que antes eram de gramado.
Vejo
as publicações de esperança ressaltando como o tempo pode ser benéfico para os
profissionais em relação às reflexões acerca do futebol.
Eu
não posso relutar em concordar que a paralisação possa vir a ser a oportunidade
em que tantos esperavam para meditar em seus conceitos.
No
entanto, qual é a vantagem nisto tudo? Tenho a impressão de que o otimismo
passado nessas publicações é um certo desespero transvestido porque são
propostas que não me dão esperanças.
Não
se aproveita o tempo pensando em mudar os conceitos táticos. O conceito
atravessa qualquer fase de calamidade e não há corpo nele para ser visto.
Por
isso, olhar as pranchetas sem um único sinal de vida, apenas desenhos de falsos
jogadores não é aproveitar o tempo para mudar alguma coisa.
Nosso
tempo, hoje, é de vida. Como é possível progredir se distraindo? Seria melhor
pedir para que o técnico, já desprovido de senso de humanidade ultimamente,
resgatasse as suas inquietações, fugisse das pranchetas para não fingir que
está ganhando o mundo, perdendo-o.
Tenho
a impressão de que o treinador não irá mais lidar com jogos, mas com um bando
tentando reconsiderar o seu papel dentro do futebol e passar todo momento
tentando entender o que aconteceu após a quarentena.
Aos
jogadores, por exemplo, será preciso que reconheça seu futebol para passar por
cima da bola, para que o drible não seja uma ofensa a um possível luto de seu
adversário e, por fim, para que tenha forças ao chutar e desejar voltar a ouvir
um grito de “gol”.
O
jogador terá de ser lavado dentro de campo: pegue esta bola, ajeite-a com
carinho, cobre o arremesso lateral.
A
bola, entretanto, também estará suja, não vai adiantar ensaboar. Todos estarão
com nojo. Será conveniente um psicanalista para cada um deles com o propósito
de convencê-los a não cortarem as mãos.
Porém,
o meu maior lamento é pelos goleiros, uma vez que seu ofício faz de suas mãos a
única ferramenta necessária. Antes de agarrar uma bola, terá de agarrar a
doença e suportá-la.
“Mas
o goleiro usa luvas!” É crucial, contudo, que consideremos que as luvas são as
mãos do goleiro. Aliás, tudo é mão no goleiro e todos os seus membros são
julgados da mesma forma que seus cinco dedos.
O
que será dele na hora da defesa onde todos o enxergam e cumprimentam as suas
mãos? Não será possível tocá-la porque já descobrimos que todos são feitos de
doenças.
Mas,
quem sabe o clamor dos analistas por uma reflexão técnica, não produza no
treinador uma solução que o faça não ver problema em arrancar as mãos de todos para
substituir por uma outra, mais branca e limpa. Alguém respira aliviado: lá vem
ele com as mãos mecânicas.
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