Por: Alessandro Caldeira
Quando o Brasil tornou-se o país do futebol, nem as derrotas afetavam o brasileiro, os atletas possuíam a fé de sua torcida e qualquer revés era capricho das coisas.
Ele tinha uma certa função cômica, satírica, de corrigir os homens. O resultado, negativo ou positivo, demonstrava o quanto era possível que o país pudesse estar em organização na sua moral, na saúde, física ou espiritual.
As pessoas diziam: o futebol é o ópio do povo. E o povo, a cada jogo, a cada encontro de suas equipes faziam a sua autocorreção. A capacidade de se adaptar era reconhecida como nosso maior mérito.
Qual adversário, afinal, diria com exatidão como anular Pelé, Garrincha, Zico e Ronaldo? O adversário não achava solução e preferia que a sorte tomasse a decisão do que ser vazado pelas pernas. O setor público conhecia, então, a vocação do brasileiro.
Estive pensando no primeiro prodígio de jogador que conheci na minha infância, todos o chamavam de Marcinho, um nome delicado demais que a sala de aula o guardava em demasiado mimo. Pois bem: naquela época, parecia que todos os adolescentes tinham uma facilidade imensa de jogar bola e as mães criavam rugas de vergonha (e um certo orgulho inconfesso) de seus filhos. A mãe do Marcinho sempre dizia: "meu filho quer ser jogador de futebol para ajudar a família"; porém, logo advertia: “mas precisa estudar”. Nunca estudara tanto na vida.
O menino em questão era tido como um gênio pelos outros que conheciam seus feitos na quadra. "Quero ser como o Pelé", falava o garoto como se fosse o rei. Um dia, encontrei-o engraxando sapatos na rodoviária (antigamente os engraxates tinham mais relevância para o movimento rodoviário do que os próprios motoristas de ônibus) e para todos os clientes falava a mesma coisa: "faço a mesma profissão do Pelé", fazia essa breve anotação como se fosse a única maneira que conhecia de se comunicar entre os seus.
De repente, começou a ser chamado de "mini Pelé" pelos clientes e todos os homens ficaram seus amigos. Antes do polimento, cada um queria saber o novo ato futebolístico que ele havia praticado na semana. “Como foi o jogo, mini Pelé?”. O garoto de breves olhos reluzentes e passos efêmeros tornava-se conhecido.
Mas é preciso dizer: ninguém admirava-o pelo futebol. Ninguém. Alguns, até mesmo, nem sabiam que ele era um prodigioso futebolista da cidade. As pessoas o elogiavam à beira da quadra quase cegamente, sem conhecer direito o menino. O nosso "mini Pelé" embolsou elogios como um verdadeiro ambulante e todos eles serviram para tornar-se adulto precocemente. Eis a verdade: o futebol deu a ele o que qualquer outro trabalho seria incapaz de retribuir e o público fazia a sua glória.
Mais do que qualquer um, aquele menino já tinha um futuro garantido na Agricultura, Cultura ou Trabalho, como se ninguém fosse mais confiante do que o nosso pequeno diamante.
Eis o que eu queria dizer: o futebol atual está promovendo o jogador antes mesmo do público. Os colegas da escola, os clientes no engraxate ou a mãe de sentimentos graves desapareceram da vida dos atletas. E agora quem o descobre? - Eis a questão: quem avista o futuro craque brasileiro?
A verdade, meu caro amigo, é que nunca antes o aspirante a jogador ficou tão abandonado de seu público, tão ausente das quadras e dos gramados.
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