Contra a Maturidade




Por: Alessandro Caldeira


Nasci em 1992 e o Brasil já era torturado em dúvidas. Ao mesmo tempo, enquanto o país estava sendo varrido pelo desespero, o futebol amenizava a ferida e o brasileiro criava sonhos através das arrancadas fulminantes de Romário e o faro afinado de Bebeto. Estávamos titubeando entre o medo e a esperança. “Tão Brasil”, como diria Manuel Bandeira.


É engraçado, no entanto, que vejo no país uma necessidade da crise. Eis a verdade: um brasileiro ficaria triste no carnaval convivendo em harmonia com a sua pátria, sentaria no meio-fio e, em vez de samba, poria um tango argentino e desabaria em choro.


Precisamos de uma razão infindável para existir; seja nas ruas, bares ou em áreas acadêmicas, não conseguimos viver “porque sim”, mas por incompletude, pela falta.


Esses dias, por exemplo, voltando para a casa, encontro a vizinhança falando sobre as suas tragédias (meu bairro é inundado de vizinhos, talvez pela porta das casas estar sempre aberta), uma delas anunciava: não gosto daqui, queria voltar para São Paulo. A outra mexeriqueira, lutando para manter-se em pé (era manca e parecia qualquer personagem da Elena Ferrante), com um olhar duro, respondeu: “Ai, credo!”, como se tivesse escutado uma obscenidade.


Mas não sei se a manca reagiu assim por ofensa ou birra, o fato é que essas palavras atravessaram a cidade e voltou-se para a anunciante dando-lhe um nó em sua saudade.


Naquele momento tive pena daquela mulher: porque não ouvi-la? Mas a vizinha manca foi embora sem perceber que havia mutilado uma nostalgia.


Entrei em casa pensando que sentimo-nos mais complacentes com a experiência interrompida. Tive a sensação de que desde os anos 90 sofremos de uma crise bem maior que a política: da contemplação.




Havia dito sobre Romário e Bebeto e lembrei de um episódio que ocorrera durante a transmissão do jogo da Seleção Brasileira contra o Peru.


Eis o fato: enquanto a equipe estava jogando e finalmente se reencontrando com a torcida, não só fisicamente, mas também espiritualmente, quase para o fim do jogo Caio Ribeiro alertou: os meninos precisam amadurecer.


Desse comentário surgiu-me repugnância, ódio, sentindo-me semelhante à nossa vizinha interrompida. Como se quisesse amaldiçoar o verbo, disparei: mas que merda é essa de amadurecimento?


O brasileiro é o único que pensa a maturidade mais importante que a experiência. Pior que isso, acha que a maturidade é anterior a si mesma. Acredito, porém, que, assim como na vida, se o jogador joga, dribla e faz gol, entra em campo sabendo qual o seu preço, já é maduro.


Em 2002, por exemplo—agora mesmo percebo que quase não lembro da copa de 98 —, não sabíamos quem era maduro ou não. Cada um entrava e fazia o que tinha de fazer. Jogavam sem pensar. Ninguém via Ronaldo, Rivaldo e Gaúcho prostrados, tentando encontrar sua maturidade particular. Desconfio, portanto, que nem bons jogadores seriam caso levassem a sério a idade madura.


Eis o que eu queria dizer: a maturidade brasileira é um fetiche, interrompe qualquer desejo, sonho e esperança.






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