O Canalha


Gil indignado ao ver Renato Marques preocupado apenas com o seu time. 

Eu sei que vocês, leitores, julgam que o atacante deveria ser mais humano, mas convenhamos que não há nada mais suicida, falso e tedioso do que a virtude. Ela é uma das principais causas de nossas doenças mortais. Confesso: não consigo acreditar em honestidade sem o desejo de uma mulher bonita e burra, sem dieta e sem vícios. 



Alessandro Caldeira

Durante a disputa entre América x Santos pela Série B, ocorreu um fenômeno. Digo fenômeno como um acontecimento raro daqueles de deixar os cabelos em pé de qualquer pastor, virtuoso e santo. Reitero que não estou falando do jogo que, por sinal, não seria um espetáculo se não fosse pelo aparecimento de um sujeito extinto no futebol: o jogador canalha (citei os santos, mas quero crer, também, que existam santos canalhas). 


Certamente quase nenhum torcedor ouvira falar do centroavante do América, mas a fama dele se espalhou, pelas últimas horas, como se fosse uma produção mal feita da TNT anunciando que um jogador midiático acaba de urinar em seu banheiro -, muito menos pelo gol que fez contra o favorito do campeonato -, sim pela sua atitude de decidir o que fazer na frente do gol com o goleiro rival machucado. 


Por falta de costume devido às regras, o brasileiro perdeu a noção do que é o canalha no futebol. Antigamente, podíamos juntar 29 profissionais do esporte bretão que identificariam pelo menos um canalha. Não. Ele também levantaria a mão e, efusivo de sua canalhice, assumiria: “eu sou um bandalho!". Fugiria, precipitadamente, sem dar a oportunidade a um escasso honesto lhe pegar pelo colarinho. Canalha. 


Hoje não obstante o canalha sumiu das partidas igual a uma quimera. Ou, por ora, fica escondido, frustrado e sem função. Mas Renato Marques, atacante do Coelho, tratou de fazer renascer esse sujeito caído. 


Assim que viu a oportunidade do gol à sua frente não hesitou e botou a bola onde ela deveria estar; o mais curioso é que ele não chutou contrariado como quando desafiam o goleiro fingindo uma lesão. A finalização do camisa 9 foi terna, talvez a maior da sua carreira. 


O camisa 9 não só fez o gol, mas teve a atenção e paciência de uma amante ao observar a bola lambendo o chão até entrar no gol enquanto o goleiro desabava no chão. 


Isso deve ter sido o que mais enfureceu os jogadores e a comissão santista: ver o camisa 9 apenas contemplando a bola e exercendo a sua função de fazer o gol. Após o tento, não mais vimos Renato Marques: escapou da honestidade como um fugitivo gatuno. 


Eu sei que vocês, leitores, julgam que o atacante deveria ser mais humano, mas convenhamos que não há nada mais suicida, falso e tedioso do que a virtude e ela é uma das principais causas de nossas doenças mortais. Confesso: não consigo acreditar em honestidade sem o desejo de uma mulher bonita e burra, sem dieta e sem vícios. 


Renato Marques, desde ontem, virou um nove que Foucault sempre sonhara: um dissimulado. Se depender do jogo de sexta, qualquer futuro atacante brasileiro será obrigado a assistir à atitude do atacante para aprender a pensar apenas na sua equipe. 


Pelo lado do Santos, se eles tivessem  ao menos, assistido a um canalha jogando, guardados na memória o que qualquer Balzac já sabe: o canalha é o sujeito mais cordial, terno e amoroso que existe no futebol. 




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