A Crise e a Razão Existencial do Torcedor


  Por: Alessandro Caldeira



Provavelmente ainda há de nascer outros torcedores que nem saibam que o futebol é mais que a questão de “vida ou morte”, mas, na verdade, seja como Fernando Pessoa escreveu: "Sou esse intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim..."



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ostaria de iniciar fazendo a seguinte pergunta: o que é futebol para você? A conclusão deve ter estourado e jorrado livremente em seu peito. No entanto, permita-me emendar a uma outra: qual a forma como você torce?

O que desejo com essas duas perguntas é que você, leitor, tenha um momento de reflexão de como chegou a essa tarefa de torcer todos os dias para a mesma equipe que causa profunda dor na derrota, porém, tal sentimento possui graça na vitória.

É possível encontrar, agora, algum desses torcedores: o que torce porque o pai ficou azucrinando a sua vida mostrando o quanto é feliz quando vibra com a sua equipe.

Aquele que, também, viveu ganhando presente dos pais sempre relacionado com futebol e com o time de coração deles, mas só por isso resolveu torcer para o rival.

Há um destino mais profundo, no entanto, onde, normalmente quando criança, ocorre a descoberta do choro, seja de alegria ou tristeza, de um ente querido enquanto assiste a uma partida de futebol. Pela primeira vez você sente que precisa salvar alguém e a condição é somente torcer para o mesmo time.

A partir daí não é mais uma questão de torcer ou não, trata-se de uma sucinta razão existencial onde o emocional de outrem atinge seu patamar de espírito mais elevado.

Percebe que há uma história sendo mudada e, talvez, até sinta que foi o responsável para um novo rumo da sociedade.

Nesse momento, em meio às lembranças, qualquer um que estiver olhando para você é capaz de decifrar uma ponta de passado no seu rosto como que balançando e te levando de volta às suas origens.

A criança que você recordou está, provavelmente, balançando as suas perninhas com um olhar de soslaio. Um átimo invisível, mas que, se pudesse, daria tapinhas naquela criança agradecendo-a.

A história, entretanto, está cravada em muito dos acontecimentos futebolísticos em todos esses tempos.

Toda torcida é símbolo do que seu time construiu. Por exemplo, existem torcedores que não se orgulham exatamente do tanto de título, mas do que representaram à memória do esporte.

Mesmo quando uma equipe é criada somente para esse objetivo e não necessita mais de sua existência para mover sentimentos.

Filme: Match 2012, sobre o FC Start

O FC Start, por exemplo, clube que foi fundado em sua maioria por jogadores do Dínamo de Kiev e funcionários de uma padaria, onde teve como missão derrotar uma equipe nazista.

Como a torcida da Ponte Preta, Bangu e Vasco que podem se orgulhar de serem os primeiros times a abolirem a ideia de não aceitarem negros em seus elencos.

Em meio a todos esses sentimentos que o futebol proporciona, podemos aplica-los para a situação atual da qual vivemos em meio à pandemia.

Num momento em que o futebol é paralisado, para que o sentimento continue correndo entre as veias é necessário que se volte às origens.

Assim como os clubes estão fazendo se solidarizando para ajudar ao combate da doença oferecendo seus estádios como recurso para a saúde pública.

Ou, então, jogadores como Phillipe Coutinho que, em meio à quarentena encontrou uma maneira de melhorar as condições dos funcionários do Vasco doando alimentos e relembrando-nos que ainda pertence àquela instituição.

Provavelmente ainda há de nascer outros torcedores que nem saibam que o futebol é mais que a questão de “vida ou morte”, mas, na verdade, seja como Fernando Pessoa escreveu: "Sou esse intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim..."

Talvez o torcedor que você está esperando nascer não aconteça, dessa vez, porque um ente querido chorou ao ver uma partida, mas porque viu o Clube ou seu jogador voltando ao lugar de onde partiu e o reconhecendo através de um gesto de afeto. 

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