Alessandro Caldeira
Dizem que quando Richarlison finalizou de voleio durante a preparação da seleção para a sua estreia na Copa do Mundo ele estava apenas treinando. Acredito, porém, que foi uma premonição. Certamente o jogador sonhou que estaria na mesma situação, e estava mesmo totalmente livre, como aquele treino, que na verdade foi um sonho.
Curioso que escrevi sobre o sonho esses dias e fiquei tão obcecado que gostaria de voltar a ele para dizer o óbvio: o sonho é uma das atividades mais exigidas para um jogador durante as partidas. Às vezes, acredito que um dos requisitos para se tornar jogador de futebol deveria ser a capacidade de sonhar.
Para identificar um jogador brasileiro basta saber o que ele responderia ao ser perguntado quantas vezes sonha por dia.
Talvez até pudesse começar a falar do nosso atacante da seguinte forma: era uma vez um homem que sonhava… No entanto, não há nenhuma surpresa nisso. Todo mundo sonha. O que nos marca, no entanto, é que o sonho é sempre mais bonito.
Havia mencionado, em outro texto, a garota que se batia durante o sonho e todos acreditavam que ela estava tendo uma crise de convulsão. Mas as pessoas só acreditavam que era apenas uma reação comum quando descrevia o seu sonho: “sonhei que estava cega, mesmo que todos vocês tirassem aquilo que me cegava, continuava a não enxergar”.
Duas questões, porém, irrompem em nós: por que ela tremia e o que fazia as pessoas acreditarem nela. A primeira questão, talvez, seja pessoal, mas me arrisco a responder: o sonho era tão pesado que ela tremia como se as pessoas estivessem extraindo “àquilo que a cegava”. A segunda questão, porém, é mais fácil: as pessoas acreditavam justamente nela porque o sonho era belo. Eis a questão: foi isso que ocorreu ao nosso camisa 9?
Em seu livro dos sonhos, Freud revela que o ato de sonhar nada mais é do que a manifestação de um desejo profundo. Porém, acredito que ainda exista algo que potencializa esse desejo: a forma estética que o nosso inconsciente carrega; caso contrário, não nos daria o trabalho de prestar atenção em nossos sonhos.
Quer dizer, então, que Richarlison dormiu e acordou com o sonho do gol? Não é preciso dormir. Há pessoas que sonham de dia, ou seja, são mais eficientes quando sonhando acordadas. Esses, porém, possuem um diferencial: querem fazer do mundo um lugar melhor.
Não é difícil de imaginar, por exemplo, que o nosso atacante brasileiro fizesse aqueles mesmos movimentos do segundo gol nos treinos, não para cadeiras vazias, mas para milhares de pessoas que foram ao estádio assisti-lo para ver apenas aquele gol, como se o tento estivesse reservado mais para o público do que para ele mesmo.
Em meio a uma autocrítica posso dizer, também, que a capacidade que o brasileiro tem em transformar os seus sonhos tem a ver com a sua qualidade humana, algo que o europeu não consegue copiar.
Não se trata, para o jogador do Brasil, apenas jogar futebol, mas viver a vida ao passo de colocar a sua imaginação à frente de qualquer objetividade.
Pergunte para o jogador brasileiro: você vai jogar? Ele responderá imediatamente: eu vou sonhar. Eis uma verdade óbvia: o futebol pode mudar, menos a imaginação do brasileiro.
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