Quando o Rival é a morte

O herói que chuta uma bola ao mesmo tempo em que pisa em uma águia, símbolo dos nazistas. 




Por: Alessandro Caldeira

Triste é aquele que acredita que o futebol é uma ferramenta de alienação para que o povo escape de sua terrível realidade que é a vida. 
É certo que o povo se move com mais facilidade para o mundo do futebol do que para as outras áreas vitais que nos sustentam. Porém, jamais que tal esporte pode ser considerado uma fuga, pois as vozes inquisitoriais que nos interpelam durante a nossa existência pode ser as acompanhantes no decorrer de algum jogo de futebol.
Não há nada mais verdadeiro sobre esse esporte do que a frase de um professor, que dizia: “se você não conhece mais nada além de futebol, então, nem de futebol conhece”.
Não aplaudo essa frase apenas porque ela revela a real situação de quem decide se aventurar por esses meios (não há gente mais descrente no mundo do que o analista esportivo), mas, também, porque escancara o pensamento medíocre de quem acredita haver somente um jogo dentro das quatro linhas e, por isso, chama-lhe de alienação.
Isso é porque quem impõe essa camada de avaliação não entende nada de como a humanidade se relaciona, e que as quatro linhas são somente um desenho. Sendo que, na verdade, ela também é uma teia atraindo a vida de todos que passam a acompanhar determinada competição.
Espero que cada um possa obter alguma resposta para a pergunta que me surge neste exato instante: como é possível concluir o desprendimento da realidade de quem tira seu tempo para assistir a um jogo, uma vez que estamos nos grudando na vida de outras pessoas?
Além do mais, como que nesse tempo vocês podem considerar mero “entretenimento” quando presenciamos a morte tão de perto? Por fim: quando a alienação nos permitiu acompanhar o término de nossos dias?
Pergunto todas essas coisas com um único jogo em mente: o jogo da morte, ocorrido na Ucrânia no período da ocupação alemã, em 1942, neste país.

Jogadores passando pelos militares no "Jogo da Morte"
É verdade que o futebol é um meio mais curto, portanto, inestimável para qualquer regime autoritário conquistar uma nação. Mas todos sabem que essa ambição se origina de uma vida, dentro dos estádios, que reside em sua forma mais fluida no encontro dos jogadores com os milhares de espectadores.

Sendo Kiev uma das cidades mais importantes da União Soviética, os planos ávidos dos militares germânicos tiveram ela como seu principal objetivo.
Assim como todo horror grotesco da sentença de morte, o desenrolar da história ocorreu num momento de fé para um dos membros que participariam daquele jogo pelo FC Start: o goleiro Trusevich estava no auge do seu romance quando a sua namorada ouviu o barulho de uma bomba, que era o prenuncio de uma era mórbida.
A partir daí, todos os amantes do futebol daquela época e que torciam para o FC Start (equipe formada por funcionários de uma padaria e alguns jogadores do Dynamo de Kyev, incluindo o goleiro citado acima) passariam a presenciar não só um jogo, mas um desafio perante à morte.
Há de se imaginar o que deve ter ocorrida na mente destes jogadores quando ouviram das bocas esbranquiçadas e frias daqueles militares, que a partida contra o próximo rival não era diante de uma equipe qualquer, mas de filhos das sombras, prontos a transportar-lh para as trevas se não houvesse derrota do time ucraniano.

O que houve, porém, não foi apavoro e um descontrole de imediato, mas sim uma sensação vazia da falta de tato e qualquer tipo de existência, fosse ela espiritual, mental ou física.
Em meio a essa insensibilidade que atinge os condenados, o goleiro via o seu juiz nas arquibancadas, te assistindo ansiosamente e com a certeza de que terá seu pedido atendido.
O que lhe deixou com maior pânico, pois foi capaz de perceber o mais austero desprezo de toda ordinária súplica humana, por isso, nada poderia ser capaz de deter o Destino traçado para ele e seus companheiros de gramado.
Mas como toda singela emoção que advém de um desfalecimento, o jogador pôde experimentar sensações nunca antes notadas em sua vida.
O goleiro, juntamente com a sua equipe, não acatou às ordens mortais de seus juízes e decidiram enfrentar a morte como o último evento de suas vidas.
A cada gol que a equipe de Kiev marcava, os jogadores ouviam como um soar de um sino a garantia de sua ruína, mas ao mesmo tempo, também vinha-lhes o som da degradação daqueles juízes e de seus onze séquitos ao se depararem com o vexame que era ter noção de que as suas raças superiores pudessem ser derrotados com tamanho desdém.
O fim do jogo veio, a equipe do FC Start venceu por 3x5 a Flafelk (equipe do comando militar germânico) e a morte de alguns daqueles jogadores, como em todo aquele período sombrio, se tornaram apenas obra do acaso.       




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