O Craque Como Escultor do Jogo



Por: Alessandro Caldeira




O aspecto tático pode estar a favor do técnico, mas quem porta a imagem e o sentimento é o craque. Toda a compreensão em tirá-los do jogo será inútil, se evapora. 



A
migos, deixa-me fazer uma pergunta, talvez, pessoal para vocês. Pessoal, mas acredito que não irei invadir o espaço de cada um que ler esta crônica: Pois bem, a pergunta é o seguinte: quantas vezes vocês falaram bem menos do que gostariam?

Quer dizer, seria possível a vocês enumerarem a falta de uma palavra naquela ocasião muito importante? Seja em um diálogo com o parceiro(a), seja com um amigo, seus pais ou até mesmo nessa maldita mania de escrever? Já lhes ocorreu algo assim?

Certamente vocês podem estar se perguntando qual o fim de todos esses meus questionamentos. Calma, eu irei lhes explicar a partir daqui: é que estive pensando na relação das palavras de um técnico durante uma partida de futebol.

Todo o seu engenho, o seu esmero e, é claro, o seu desespero em resumir através de suas palavras o que vê do jogo e passar para os seus atletas parece um trabalho eterno e, por vezes, sem nenhum tipo de destino.

Às vezes, ao assistir a um jogo onde o treinador esteja berrando, gritando, se esgoelando para ser notado, eu sinto pena e até imploro para que algum bendito jogador o ouça. “Olha o cara tentando falar com você, não o despreze dessa maneira”.

Amigos, é a mais pura verdade o que vou lhes confessar: fico até aflito achando que o treinador chega em casa com sintomas depressivos ao perceber que muitas vezes é apenas uma peça na lateral do campo.

Neste momento, lembro-me de Armando Nogueira dizendo que supervalorizamos a imagem em detrimento à palavra. O que me pôs a pensar algo irremediável e cruel: o treinador está sempre condenado pelas suas palavras.

A questão é que o futebol sempre pede uma imagem para ser atingível, compreensível e apreciado, assim como a um filme de Tarkovsky onde nenhuma palavra sai antes de uma bela fotografia.

Mas não a qualquer imagem, quer dizer, não a mais pura e simples imagem, mas a que traz junto de si o sentimento.

Veja bem: no amor temos as palavras como ferramenta para saltar o coração da pessoa amada, porém, meus amigos, sempre escapa aquela última que, talvez, fosse o epicentro de todo esse amor e, assim, somos traídos pelas mesmas palavras que decidimos levar.

Por sorte, meus amigos, existe a comunicação através da imagem e sentimento que salva qualquer palavra não dita, inexpressiva, que pudesse colocar em xeque nossas relações.

Mas no futebol, o técnico não tem esse luxo, não existe a mínima chance, meus amigos, de transformar as suas palavras em imagem. Eis uma verdade: o técnico sempre estará preso naquelas linhas pontilhadas que antecedem o banco de reservas como a uma teia, o impedindo de expressar algo além dos seus termos técnicos em palavras.

Mas isso tem uma explicação, como não haveria de ter? Basta olhar para o público na arquibancada, o que mais eles veem? O que mais, senão, a jogada? É isso que faz o público sair de suas casas e se colocarem duas horas num amontado – às vezes até na solidão, a acomodar-se num estádio.

Outra verdade inescapável: o técnico só é valorizado quando acredita no que está vendo. Muitos se perguntam: quem tem coragem de tirar um Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo do jogo mesmo quando os dois merecem? É verdade, ninguém.

O aspecto tático pode estar a favor do técnico, mas quem porta a imagem e o sentimento é o craque. Toda a compreensão em tirar um deles será inútil, se evapora.

Pode-se formar uma palestra nas maiores arenas do todo o mundo para explicar aos torcedores o que aconteceu para tirar seu craque em campo e a resposta da torcida será a mesma: as vaias. 

Amigos, acreditem: as palavras nos traem. O técnico está sempre condenado ao que diz, porque apenas o gesto técnico do craque vem aos nossos entendimentos sobre o jogo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário