A verdade é que arranjamos uma escapatória para que o nosso coração não fosse traído pelos nossos olhos. Como pode, afinal, uma equipe perder de 3 x 0 se em jogos anteriores estava goleando e erguendo a taça da Bundesliga de forma invicta? É difícil, até mesmo para os italianos, acreditarem que a sua equipe realizaria um fato tão inédito em sua história.
Alessandro Caldeira
Desde quando virou técnico, Gian Piero Gasperini só sabe o que é ser campeão de ouvir falar. É provável que seja por isso que o treinador de 66 anos ainda vê o jogo com olhos de menino e é capaz de mudar os seus pensamentos sobre futebol sem remorso. Pensa, por exemplo, quando você ainda tinha 19 anos e não conhecia muito sobre o coração dos outros e muito menos o seu.
Quase sempre vivia numa expectativa infinita de que o seu verdadeiro amor chegaria pra você. E se chegasse, o que faria? Ficaria parado esperando ela se sentir confortável no seu quarto? Serviria, desajeitado, uma bebida para que ela - não você - se sentisse melhor? Bom, assim, pelo menos para mim, parece fácil compreender o quanto o futebol é parecido com a vida. Mas espero que, para vocês também.
Hoje ocorreu a final da Liga Europa entre um dos dois times mais legais de se assistir: Atalanta x Leverkusen. É curioso que para mim existem distinções entre a Atalanta e o time alemão bastante expressivas.. O time comando por Xabi Alonso - a sensação da temporada com uma invencibilidade humilhante para os seus adversários de 51 jogos - é uma equipe que gosta de jogar naturalmente. Não quero aqui dizer que vários dos resultados que conquistaram, muitas vezes heroicas, tenham sido esperadas.
Mas percebam, com o tempo todos contavam o mesmo fastio resultado: Leverkusen perde por 2 a 0 e um outro diz: já vai virar! Dito e feito. Leverkusen provocou uma falta de fé coletiva absurda na Mundo. Porém, o que eu quero dizer é que contra a Atalanta é preciso mais do que confiança para sair vitorioso. Gasparini disse, certa vez, - não me lembro quando -, que os seus jogadores não esperam os outros errarem. Aí está tudo. A equipe italiana persegue o erro adversário como um cão. Essa obsessão dos norte -italianos, se trata exclusivamente de amor.
É impressionante as incontáveis vezes em que, ao falarmos de futebol, nos lembramos das inúmeras jogadas, das táticas infindáveis, dos números coletivos e se esquecem que só se ganha uma decisão quando se há amor em campo. E não importa quantos terão o mesmo sentimento, muitas vezes apenas um. Sim, apenas um membro da equipe basta para contagiar seus companheiros a jogarem por amor. É verdade que quando a luta é solitária a tendência é de que o indivíduo enlouqueça como um Heleno. Gasparini, no entanto, além de ter amor, também tem sorte. Os seus comandados,- todos os jogadores que ele encontrou ao longo desses 6 anos na Atalanta-, também acreditaram em seu amor.
Devido a todos os feitos do Leverkusen ainda ficamos até o último minuto do jogo esperando uma reviravolta. “Basta apenas um gol”, dizia o narrador, para a narrativa ser a mesma: Bayer faz o gol no último segundo e, finalmente, se consagra vitorioso e campeão. Mas, parecia que nas arquibancadas a torcida alemã não acreditava na história do seu próprio time. Havia algo a mais no jogo de hoje que não deixou Wirtz e o craque Granit Xhaka chegarem perto da bola.
Aos poucos, eles também já davam sinais de que não acreditavam, que dessa vez o destino era mesmo a derrota. Enquanto isso, como um menino ingênuo, Gasperini ignorava isso; gritava, berrava, vociferava na beira do campo para que os seus jogadores não parassem de percorrer a sua obsessão. Tinha apenas uma escolha: a inércia ou o arrependimento. Mas o italiano parece mais acostumado à poesia do que à prosa.
Gasperini foi um menino à noite em Dublin. Sim, um garoto que recebe uma correspondência que não esperava ou pelo menos acreditava que seria facilmente esquecido. Um garoto que espera a mulher decidir em qual móvel se acomodar.
É necessário um certo preparo psicológico quando vamos fazer algo pela primeira vez. Você, leitor, ainda consegue se lembrar do que fez antes de caminhar rumo ao seu descobrimento? No caso da Atalanta, Gian Gasperin sei preparou como se fosse seu último jogo. Certamente, se lembrou, como se fosse a primeira vez, de seu primeiro dia como treinador.
A verdade é que arranjamos uma escapatória para que o nosso coração não fosse traído pelos nossos olhos. Como pode, afinal, uma equipe perder de 3 x 0 se em jogos anteriores estava goleando e erguendo a taça da Bundesliga de forma invicta? É difícil, até mesmo para os italianos, acreditarem que a sua equipe realizaria um fato tão inédito em sua história.
O terceiro gol dos italianos confirmou aos espectadores o espanto dos alemães por terem levado dois gols tão rapidamente já no primeiro tempo. Imagino os jogadores do Bayer, antes da partida final, cada vez mais confiantes na vitória sempre que viam o rosto puro de Gasperini. - nada mais sedutor e fingido do que a expressão de serenidade do homem que sente amor pelo que faz
Mas essa goleada me parece ter uma obviedade entediante: a Atalanta goleou por que pôde assistir, jogo após jogo, o Bayer Leverkusen trucidando seus adversários e, por vezes, brincando com o destino deles e de qualquer torcedor rival. O time alemão havia aprendido a jogar um futebol sádico e, talvez por isso, tenha sido motivo de tanto sucesso nesta temporada. Mas o que quero dizer é: antes os alemães perdessem pelo menos uma vez para sentir o gosto de sangue na sua garganta após o revés. Sim, ser invicto foi o maior defeito dos alemães.
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