Neymar: O Caos Perfeito |
Por: Alessandro Caldeira
“Gostaria que a série começasse com todos me julgando. Chamando-me de mau-caráter, principalmente monstro.” É assim que o Neymar começa a série sobre a sua carreira e, por um instante, pensei que o jogador tornara-se russo, uma obra de Dostoiévski.
Há uma cena, por exemplo, onde Neymar sofreu uma lesão (não me lembro exatamente o ano) e os franceses tomaram aquilo como uma ofensa, blasfêmia e maldade por parte do jogador. Diziam: “ele não está aguentando a pressão”.
Confesso a vocês que, nesse momento, achei os franceses tão engraçados quanto o anão de Velásquez, especialmente quando um deles tenta sair por cima, em tom de desprezo, dizendo que o time é grande, negando o fato de ser menor e de que o brasileiro fora contratado justamente para o Clube conquistar esse posto.
Achei essa cena tão dostoievskiano quanto à fala que abre este texto. Acredito que todos nós já devem ter passado pela mesma situação, mas quase não a observamos porque parece que isso só pode acontecer diante de uma estrela como o jogador brasileiro.
Essa cena repete-se, no entanto, quase que de forma obsessiva na nossa vida. Houve um episódio, por exemplo, que necessito narrar: um conhecido sentiu-se ofendido com o seu amigo por ele ter criticado o seu trabalho (era lavador de carro), então, deu a sentença definitiva: “nunca mais falo com você!”. No entanto, vejam vocês, o sujeito passou a reparar profundamente nos elogios que o amigo fazia aos outros. Ficara tão ferido com aquilo que mandou uma mensagem: “você é um grande hipócrita!”.
Eis o que quero dizer: descobri nos franceses, com a ajuda do meu conhecido, a condição de “torcedor do subsolo”, que se recusa a confessar que a dor, dói; que a ferida, fere; e, provavelmente, o monstro será o único com forças para te levantar. Ao invés disso, porém, carece ao torcedor declarar seu Clube como o “maior do mundo”.
O futuro camisa 10 apareceu, pela primeira vez, vestindo a camisa do Santos e tinha 17 anos. Minha mãe dizia: “podia ser você”. Verdade. Nessa época eu também gostava de jogar bola, lembro-me franzino, como ele, dando pontapés, driblando alguns adversários invisíveis, com os meus colegas no banco de reserva me ovacionando (não conseguia imaginar o treinador) e a torcida.
Jogar bola, no entanto, pareceu-me menos atraente. Tive a sensação de quem nos dá um prazer, deve adormecer algum outro, talvez menos importante. Dediquei-me a mais encontros com o garoto tímido, de olhos cerrados, do que com meus amigos.
Jogar futebol na quadra da escola significava, portanto, falar sobre o novo jogador do Santos e viver a expectativa de que ele pudesse fazer, por mim, o que eu jamais faria.
Ver o Neymar jogar era como visitar meu tempo de criança onde escutava por detrás da porta a conversa dos adultos. Só que a invenção, por sua vez, não ficava por minha conta. A magia e a beleza ficavam por conta dele (a mesma responsabilidade de Jeanne-Marie) e seus movimentos tornaram-se o grande mistério da minha vida. Eu só queria observar, observar, observar. Foi a minha primeira grande obsessão.
Hoje, assistir o Neymar, é como se eu estivesse abrindo a minha fotografia: tão perto, íntimo e familiar; uma sensação de nostalgia, como toda fotografia carrega em si.
O camisa 10 foi quem reinventou o termo “menino”. Não houve época de mais compaixão, ternura e amor do que aquela.
Alguns dirão que, com efeito, isso também produziu uma espécie de infantilização nos garotos do Brasil, como se todos os “meninos” fossem criados pela avó. O que me espanta é ninguém perguntar se, antes disso, muitos deles não sentiam falta da aproximação que revela essa expressão, se em cada família não emergiu filhos e pais.
Estamos numa era onde precisamos que nos tirem as dúvidas, deem-nos soluções e conclusões sobre tudo, mas ao deparar-me com um personagem como o Neymar, percebi que a vida merece um pouco mais de descrição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário