O Ultrarromântico no Futebol



Por: Alessandro Caldeira_



. É capaz, sim, de ouvi-lo citar, enquanto a bola chega aos seus pés, um dos momentos do personagem romântico de Goethe: “...Eu tenho tanta coisa e sem ela tudo se reduz a nada.”



C
erta vez, Nelson Rodrigues escreveu que é necessário coragem para enfrentar os times argentinos, pois eles não apenas jogam, mas fazem do jogo um verdadeiro palco de forças.

O cronista estava certo identificando o perfil mais característicos dos argentinos ao entrar em uma partida de futebol, faz parte do sangue patagão tentar estabelecer-se, também, na força.

No entanto, há de convir que os argentinos possuem um certo romantismo na sua vida que vem direto do tango e é transferido para o seu jogo. Ah, com certeza se Goethe tivesse visto uma partida argentina iria recorrer aos sentimentalismos de Werther.

Todavia, há um jogador que melhor expressou todo o romantismo que a Argentina carrega: Román Riquelme!

É claro que vocês, meus amigos, atentos como são, irão se perguntar de forma ensurdecedora: E Maradona? E Messi? Alguns, um pouco mais antigos, na alma ou no corpo, lembrariam: Dí Stefano?

Veja bem, não há um jogador argentino que não possa se encaixar no gênero romântico. Experimentem: coloquem uma música de Richard Wagner, agora, acompanhem uma partida argêntea e, aposto, o ocorrido lhes tomarão de assombro tamanha a sincronia da execução do corpo daqueles homens em campo juntamente com a sinfonia do compositor alemão.

Eu posso garantir a vocês que, com qualquer outro compositor, ou, seja qual for a música com conotação romanesca, a percepção será a mesma.

Há alguns jogadores, no entanto, que encaram o romantismo em formas diferentes, diria até que, seguindo seus períodos. Maradona, por exemplo, não chega a ser romântico sem mostrar suas obscenidades. Possui afinco e apreço pelo movimento do corpo exagerado, pelo culto ao que é sagrado e profano.

Para não me estender, a Argentina possui três fases do romantismo personificados em três jogadores: Maradona, Riquelme e Messi.

O que me faz pensar que Riquelme é o ultrarromântico do início da década passada, - é possível que vocês também me achem adepto desse gênero pelos exageros dos meus textos. É possível! É possível!

Mas, faço-lhes uma proposta: assistam a um jogo do Boca Juniors, especialmente uma partida contra o River Plate pelas quartas de final no ano 2000.

Ao fazerem isso, concebam a si mesmos um momento de exercício mental para notar a forma como Riquelme repousa a bola nos pés e tudo, de repente, é pausado enquanto os seus companheiros o acompanham, deixando liderar a equipe para a vitória de 3 a 0. Descobre-se, nesse dia, o desabrochar de um camisa 10.

E, talvez, filho de Werther. Ora, não sejam tão intimidados com a tentativa de modéstia em seus sentimentos. É capaz, sim, de ouvi-lo citar, enquanto a bola chega aos seus pés, um dos momentos do personagem romântico de Goethe: “...Eu tenho tanta coisa e sem ela tudo se reduz a nada.”

Sim, meus amigos, é preciso que Riquelme sempre veja a bola para que nada se reduza a pó.

No jogo citado, no entanto, não foi isso que aconteceu. Román se colocava de um lado no campo, esperando ansiosamente que a bola chegasse para que, finalmente se sentisse livre e a levasse para todo canto.

Nesse instante, como dizem na gíria do futebol: o camisa 10 deitou! Sim, deitou, e fez questão de banhar-se com os gramados da La Bombonera para se juntar ao solo a fim de demonstrar que seu futebol é espontâneo assim como a grama que cresce.

Dessa maneira, como num filme francês, Riquelme encontrou um modo de escapar às lutas apreensivas toda semana em solos argentinos para mostrar que há também algo que germina no futebol: a magia. 



Lances de Riquelme vs River Plate 

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